sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Mortes durante perseguições geram questionamentos sobre ações da PM

Polícia Militar e SSP falam do treinamento para dirigir durante as ações e das técnicas para reduzir riscos de acidente
Luciana: revisão das ações da PM - DIVULGAÇÃO/FERNANDO FREITAS


     Amilton Lourenço
amilton.lourenco@jcruzeiro.com.br 

     Miriam Bonora
miriam.bonora@jcruzeiro.com.br 

As mortes registradas nos últimos meses durante perseguições policiais em Sorocaba e região acabaram gerando questionamentos sobre os procedimentos utilizados pela Polícia Militar em casos de acompanhamento de veículos suspeitos. Esta semana, por exemplo, começou com mais um registro de tragédia ocorrida após perseguição no trânsito. Um homem, dirigindo uma carreta, deixou um rastro de destruição e duas pessoas mortas, na noite da última terça-feira. Alucinado, o condutor da carreta colocou outras vidas em risco e ainda passou por cima de uma viatura da polícia e prosseguiu até ser detido, no Santa Bárbara. Pelo percurso, o motorista também derrubou postes de iluminação, atingiu quatro carros e ainda trafegou pela contramão em frente à 1ª Companhia da PM, na avenida Dr. Américo Figueiredo. Antes dessa ocorrência, outras três mortes foram registradas durante perseguições policiais. 

No dia 20 de novembro, uma perseguição a um motociclista em Salto de Pirapora, provocou a morte do piloto de outra moto. Dia 2 de novembro, o músico Fausto Pará Filho, 21 anos, foi morto quando um veículo que era perseguido pela polícia colidiu com o seu carro, na avenida Antônio Carlos Comitre. Antes da colisão, o suspeito, que era acompanhado pela Polícia Militar, ultrapassou três faróis vermelhos em alta velocidade. 

Em outubro, um motociclista morreu após ser atingido e arrastado por um carro em que três homens fugiam da polícia, no Jardim Hungarês. Após colidir contra a moto, os bandidos conseguiram escapar a pé. 

Diante dos frequentes acidentes, o jornal Cruzeiro do Sul questionou a Polícia Militar e a Secretaria de Segurança Pública (SSP) sobre como os policiais são treinados para dirigir em perseguições, quais equipamentos são usados e quais as técnicas utilizadas para reduzir os riscos de acidentes. 

A reportagem também ouviu as considerações do Instituo Sou da Paz e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que apontam a necessidade de revisão dos procedimentos. 

Necessidade de mudança 

Para a diretora do Instituto Sou da Paz, Luciana Guimarães, os seguidos casos de mortes de inocentes durante perseguições policiais em Sorocaba devem ser analisados pela Polícia Militar para possíveis revisões de procedimentos operacionais. Já para o presidente da subseção de Sorocaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Alexandre Ogusuku, os episódios só reforçam a falta de preparo da polícia sorocabana e a necessidade de aprimoramento e melhor treinamento dos profissionais. 

O Instituto é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) sediada em São Paulo e trabalha há mais de dez anos pela prevenção da violência no país. Luciana, que também é especialista em Direitos Humanos, frisa que toda operação de perseguição policial envolve risco, como o próprio trabalho da polícia. "Por isso existem uma série de procedimentos operacionais padrão, para resguardar a vida dos policiais e das outras pessoas, da sociedade". 

A diretora do Instituto comenta que não é possível apontar uma causa ou mudança específica diante apenas dos três casos, pois é preciso primeiro detectar se os procedimentos foram cumpridos e, se foram e a situação continua recorrente (perseguição seguida de morte), é preciso identificar o que é preciso mudar nesse procedimento. "É preciso uma conversa franca entre a polícia e a sociedade. E esse olhar de gerenciamento, com perspectiva de avaliação e revisão de procedimentos, é o que me parece que precisa ser introduzido na cultura da atividade policial", ressalta. 

Luciana comenta que há ciclos no trabalho policial que devem ser observados constantemente: a definição de procedimentos, o treinamento, a supervisão dessa atuação, avaliação e revisão dos procedimentos. "Quantas perseguições são feitas pela polícia com sucesso? Provavelmente a grande maioria das situações, mas nem por isso podemos deixar de olhar para onde há um desfecho negativo, porque os erros são os que mais nos ensinam" complementa. 

Já o presidente da OAB acredita que os últimos casos de mortes inocentes decorrentes de perseguições demonstram a falta de preparo da polícia sorocabana. "Nós temos acompanhado ultimamente alguns excessos da polícia, como no caso do manifesto de 7 de setembro e do confronto na praça do Campolim (16/11). Na democracia, os fins não justificam os meios. Me parece que estamos retrocedendo, pois a polícia não pode colocar em risco a vida das pessoas". Ogusuku acredita que há outros meios, como o uso de inteligência e logística policial, para evitar desfechos trágicos. "Em tempos de alta tecnologia, acredito que há a necessidade urgente de revisão dos métodos da polícia, para que ela proteja, e não vitime inocentes". 

Orientação para casos de perseguição 

Indagada sobre qual é a orientação que os policiais recebem para decidir por uma perseguição e como agir durante a ação, além dos critérios que motivam a perseguição, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo informou que seus agentes são treinados para seguir o Procedimento Operacional Padrão (POP) da Corporação e atuam sob a coordenação de oficiais capacitados. 

"A orientação é que os PMs adotem ações a partir do momento em que são detectados indícios de ilegalidade em ações de indivíduos abordados, ou seja, a opção de confronto é sempre do criminoso. Todas as mortes decorrentes de intervenção policial são investigadas em inquéritos policiais que, de acordo com a apuração das responsabilidades, podem resultar em investigações da Corregedoria da Polícia Militar", explicou a assessoria de comunicação da Secretaria de Segurança. 

Dados da Secretaria indicam que em 2013, 244 policiais militares foram demitidos ou expulsos no Estado pela prática de irregularidades. De 2007 a 2013, foram 1.787 policiais excluídos, o que demonstra a intolerância para com os desvios de conduta de qualquer natureza. Por outro lado, a Secretaria informa que a média anual de demissões e expulsões realizadas de 2008 a 2012 corresponde a apenas 0,3% do efetivo existente, de 93.987 homens e mulheres da Polícia Militar. 

Questionada sobre as providências que estão sendo tomadas em relação aos casos de vítimas fatais ocorridos em Sorocaba e Salto de Pirapora recentemente, a Secretaria, por intermédio da sua assessoria de comunicação declarou: 

"Sobre o caso da vítima de Salto de Pirapora, o 40º BPM/I (Batalhão da Polícia Militar do Interior) abriu inquérito policial militar e uma sindicância para averiguar se houve responsabilidade dos policiais militares que estavam na viatura. Além disso, também está em andamento um inquérito policial na Delegacia de Salto de Pirapora sobre as responsabilidades em torno do acidente". 

A nota ainda informa que "de acordo com o delegado João Pretti, titular da Delegacia de Salto de Pirapora, somente após essa investigação poderá ser decidido se haverá indiciamento dos policiais militares". 

Quanto ao inquérito policial da morte do músico Fausto Pará Filho, ele já foi relatado e encaminhado à Justiça. O delegado do 3° DP de Sorocaba decidiu indiciar Romualdo Fernando Siqueira Spinoza por homicídio doloso. Segundo o delegado José Pupim, titular do 3° DP de Sorocaba, Spinoza assumiu o risco de provocar o acidente e os policiais militares fizeram o acompanhamento necessário, pois ele dirigia de forma perigosa. No caso do motociclista, a polícia também apura as responsabilidades. 

Procedimentos similares aos outros países 

Os cursos de formação de soldados e oficiais e as instruções mensais são, segundo o capitão Vanclei Franci, chefe da Seção de Comunicação Social da Polícia Militar de Sorocaba, as formas mais eficazes de evitar que os acompanhamentos de veículos suspeitos terminem em tragédia. "Todos os policiais recebem completo treinamento sobre o Procedimento Operacional Padrão. Além desses cursos, são realizadas reciclagens duas vezes por ano e também instruções mensais para relembrar os procedimentos", garante o capitão. 

Os procedimentos básicos citados pelo oficial da PM incluem o acionamento de dispositivos luminosos e sonoros das viaturas; acionar imediatamente o controle de rádio, passando todas as informações dos suspeitos; traçar estratégia para realizar o cerco do veículo; manter distância segura do veículo acompanhado; e manter a atenção em cruzamentos e semáforos. "Trabalhamos para manter a integridade física de terceiros e dos policiais. Pode ser que haja desvio de conduta, mas o número de casos é muito pequeno. E quando acontece, a PM abre processo administrativo para apurar as responsabilidades", afirmou o policial militar. 

O capitão informou ainda que os procedimentos adotados em São Paulo e outros Estados são similares aos praticados em outros países. "A PM segue praticamente os mesmos métodos utilizados em outros lugares do mundo, porém, costuma adequar as práticas à realidade brasileira. Nos EUA, por exemplo, em alguns Estados, os policiais são orientados até a bater nos veículos em fuga, o que não ocorre aqui no nosso país". 

O helicóptero Águia também é usado em alguns acompanhamentos e cerco de veículos suspeitos. "Nos horários de ronda, o Águia também é requisitado para apoiar nos acompanhamentos. Mas quando está no solo, só é chamado em casos de emergência", disse o capitão. 

Para concluir, o capitão lembra que os motoristas devem ficar atentos quando ouvirem dispositivos sonoros ou avistarem luminosos ligados. "Se ouvir ou avistar os sinais, o motorista deve redobrar a atenção. Pode ser uma viatura policial ou até mesmo uma unidade de resgate em alta velocidade."

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