sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

STF se prepara para criar a 'partidocracia' no Brasil

Quatro ministros do Supremo Tribunal Federal rejeitaram doações de empresas para partidos e campanhas políticas; julgamento está suspenso

Laryssa Borges, de Brasília
Ministro Luiz Fux profere voto sobre crimes de lavagem de dinheiro
Ministro Luiz Fux, relator da ação que questiona doações a partidos e candidatos (Felipe Sampaio/SCO/STF)
Apenas em 2012, o erário repassou aos partidos mais de 286 milhões de reais por meio do fundo partidário. Até novembro deste ano, outros 268 milhões de reais foram enviados às legendas
A menos de um ano das eleições de 2014, o Supremo Tribunal Federal (STF) se prepara para impor, à revelia do Congresso Nacional, um novo modelo de financiamento de campanhas políticas no Brasil. Em suma, a Corte deverá proibir doações feitas por empresas e fixar parâmetros inéditos para a doação que pessoas físicas e os próprios candidatos podem fazer em eleições. A decisão tem consequências lógicas: sem os recursos privados, os partidos políticos e candidatos ficarão mais dependentes de dinheiro público. Ou seja, na prática, a mudança nas regras ficaria muito próxima de um sistema de financiamento público de campanhas, o sonho antigo do Partido dos Trabalhadores.

O STF começou a julgar a ação direta de inconstitucionalidade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que contesta trechos da Lei Eleitoral (9.504/1997) e da Lei dos Partidos Políticos (9.096/1995). Até o momento, os ministros Luís Barroso, José Dias Toffoli, Luiz Fux e Joaquim Barbosa, presidente do Supremo, consideraram que empresas e pessoas físicas não poderão mais financiar campanhas eleitorais nem injetar recursos no caixa de partidos políticos. O julgamento está paralisado por um pedido de vista do ministro Teori Zavascki. Não há data para que os debates sejam retomados.

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A opção pelo financiamento majoritariamente público – permitindo doações pontuais de pessoas físicas ou dos próprios candidatos – beneficiaria atualmente o PT, já que o tamanho da bancada de parlamentares na Câmara dos Deputados deverá ser, a exemplo do que já acontece com o fundo partidário, o principal critério utilizado para a divisão do bolo. E diante desse cenário parlamentares já se articulam para a aprovar às pressas no Congresso uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que assegure as doações de empresas. Mais: em retaliação, ameaçam acelerar a tramitação de projetos que limitam os poderes do Supremo, colocando rédeas no que classificam como "ativismo judicial".

No novo embate entre Judiciário e Legislativo, iniciado na última quarta-feira, o STF não poupou críticas à relação entre financiador e financiado e, tomando para si a tese de que é preciso baratear as campanhas políticas e combater a corrupção, indicou que promoverá uma estatização do sistema político, institucionalizando um regime que poderá ser batizado de "partidocracia". 
“Todas as razões invocadas pelo STF são para combater uma suposta anomalia. Mas, para o governo, é sensacional a decisão de se induzir para um futuro financiamento público porque se chega à distorção de que o partido que é maior ficará cada vez maior, tendo um privilégio consolidado pelo seu passado”, afirma o advogado Ricardo Penteado, especialista em legislação eleitoral. “Não teria alternância de poder”, completa.

De acordo com o ministro Gilmar Mendes, do STF, a aniquilação das doações por empresas traz como consequência nefasta o privilégio para os detentores do poder, que já têm a máquina pública em suas mãos. “Quem está no poder tem a mais-valia. Sabemos que se usa essa situação de forma descarada. Se bloquearmos o atual modelo de financiamento em uma sociedade plural, temos também que proibir a propaganda institucional, porque ela hoje nada mais é do que propaganda eleitoral”, disse Mendes, durante o julgamento na Corte nesta semana. “Se formos adotar como verdade que democracia só existe se houver financiamento público de campanha, obviamente estaríamos retirando os Estados Unidos e a Alemanha deste rol, o que é um problema”, ponderou.

Embora a tendência do Supremo seja permitir que eleitores e candidatos repassem, de forma controlada, recursos para políticos de sua preferência, caberá ao erário suprir a maior parte dos gastos com agremiações políticas. Ainda que não se criem mais impostos para financiar esse custo, restará a sensação de que mais dinheiro público está sendo usado para custear políticos em vez de priorizar áreas historicamente carentes, como saúde e educação.

“O Supremo está em vias de promover a estatização completa dos partidos políticos, que já são semiestatais porque recebem dinheiro público do fundo partidário e têm propaganda eleitoral”, pondera o sociólogo Demétrio Magnoli. “O resultado é que os partidos vão se tornar autônomos em relação aos eleitores, se tornando imunes ao escrutínio popular e sem mais a necessidade de convencer as pessoas a fazer parte deles ou os financiar."

Caixa – Atualmente, os principais financiadores de campanhas políticas, sejam de oposição ou situação, são empresas privadas, embora o contribuinte, ainda que desconheça, já tenha de arcar com milhões de reais no financiamento público de partidos políticos. A propaganda eleitoral gratuita, por exemplo, não é gratuita – emissoras de rádio e televisão pagam menos impostos quando interrompem sua programação para os telespectadores acompanharem o rosário de promessas de candidatos. O Tesouro Nacional também abre o cofre para financiar cada um dos partidos políticos, seja o minúsculo PSDC ou o gigante PMDB. Apenas em 2012, o erário repassou aos partidos mais de 286 milhões de reais por meio do fundo partidário. Até novembro deste ano, outros 268 milhões de reais foram enviados às legendas.
Nos votos proferidos até o momento, favoráveis à proibição de doações por empresas, os ministros do Supremo se apegam ao argumento de que companhias privadas fazem doações em troca de benefícios futuros, em um eterno jogo de ‘toma lá, dá cá’. Com a decisão de limitar as doações, porém, os magistrados, incluindo o futuro presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), José Antonio Dias Toffoli, utilizam os notórios defeitos do modelo político nacional para aumentar ainda mais os poderes dos atuais beneficiários.

Com o financiamento predominantemente público nas campanhas, salvo regulamentação específica do Congresso Nacional, permanecem impasses de como e a quem distribuir o dinheiro entre os diversos candidatos: se políticos representativos e oportunistas teriam a mesma verba, se o eleitor seria compelido a financiar fanáticos ou saudosistas do regime militar ou que opção teria o contribuinte se achasse que seu dinheiro está sendo usado para eleger um político que não vale a pena.

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