terça-feira, 12 de março de 2013

Bancos são ‘lenientes’ com lavagem de dinheiro, critica presidente do STF


Em seminário, ministro Joaquim Barbosa afirmou que instituições financeiras não exercem controle sobre abertura de contas e transferências de valores sob sua responsabilidade porque não visualizam a possibilidade de serem ‘drasticamente punidas’


BRASÍLIA - O presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, afirmou nesta segunda-feira, 11, que os bancos são lenientes no controle de operações financeiras suspeitas que podem se configurar como lavagem de dinheiro. Barbosa é o relator do processo julgado pelo STF no segundo semestre de 2012 que resultou na condenação de 25 pessoas acusadas de envolvimento com o mensalão, 21 delas por lavagem de dinheiro. Entre os condenados estão ex-dirigentes do Banco Rural.
"Enquanto instituições financeiras não visualizarem a possibilidade de serem drasticamente punidas por servirem de meio para a ocultação da origem ilícita de valores que se encontram sob a sua responsabilidade, persistirá o estímulo à busca do lucro, visto como combustível ao controle leniente que os bancos fazem sobre a abertura de contas e sobre a transferência de valores", disse Barbosa, ao discursar ontem na abertura de um seminário em Brasília sobre lavagem de dinheiro.
Também presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Barbosa afirmou que a ocultação de valores tem de ser "veementemente" reprimida. "O número de inquéritos arquivados, quando comparado ao número de denúncias aceitas, indica que é necessário apuração para saber se as discrepâncias estão na deficiência da investigação ou no trabalho executado pelo Ministério Público", declarou. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) não quis comentar as declarações de Barbosa.
Dados divulgados pelo CNJ sobre o combate à lavagem de dinheiro mostram que no ano passado foram recebidas menos denúncias do que em 2011. Os arquivamentos de 2012 superaram os do ano anterior. Na Justiça Federal, por exemplo, foram arquivados 407 inquéritos em 2012, ante 232 em 2011. Os tribunais julgaram 61 processos no ano passado. Em 2011, foram 183.
Segundo dados do CNJ, no ano passado a Justiça Estadual condenou apenas 29 pessoas por lavagem de dinheiro. Em 2011, foram condenadas 175 pessoas.
Conselheiro do CNJ, Gilberto Martins disse que é necessário um reforço na capacitação dos juízes e do Ministério Público para aprimorar a aplicação da lei de lavagem. "Os números de que dispomos indicam que ou o Ministério Público não tem promovido denúncias contra esse tipo de crime ou o Judiciário não está capacitado para entender os meandros da norma legal e do próprio crime de lavagem." "Os tribunais que mais julgam e condenam são justamente os que dispõem de varas especializadas, que dão aos magistrados condições de se dedicar. Portanto, é fundamental se aparelhar o Judiciário", emendou Martins.
Conheça o cliente. O promotor de Justiça Arthur Lemos Junior, do Ministério Público de São Paulo, especialista no combate a carteis e crimes contra a ordem econômica, declarou nesta segunda que "nem sempre é tarefa fácil detectar uma operação de lavagem de capitais por parte da instituição financeira". Ele defendeu enfaticamente a implementação da política 'conheça o seu cliente'.
"É preciso o cumprimento dessa política, com habitualidade", recomenda. "O gerente da conta tem que se certificar que o cliente existe e tem fundamento ou bom senso o volume de dinheiro por ele movimentado."
Lemos Junior fez estas observações ao conceder entrevista sobre declaração do ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), segundo o qual os bancos são lenientes no combate à lavagem de dinheiro.
Para o promotor "a grande maioria das informações que inauguram procedimentos investigatórios na Policia Judiciária e no Ministério Público é oriunda dos compliances dos bancos". Compliance é o mecanismo de controle de fraudes utilizado nas instituições financeiras e nas empresas. "Ao menos em São Paulo, o sistema, de forma geral, tem funcionado", avalia Lemos Junior.
"Existem falhas e algum despreparo", argumenta. "Algumas instituições financeiras cooperam de forma deficitária. Mas, estamos dialogando com tais instituições, inclusive com pleno apoio do Banco Central e da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban)."
O promotor observa que tem havido resistência no cumprimento do artigo 17-B da Lei de Lavagem de Dinheiro em sua nova redação, "na medida em que as instituições financeiras relutam em fornecer os dados cadastrais dos correntistas, sem previa autorização judicial".
Na avaliação de Arthur Lemos Junior "existem falhas, como existem em qualquer instituição e órgão publico e privado". Mas ele faz uma ressalva. "Estamos à frente de muitos países. O nosso sistema financeiro evoluiu muito em termos de cooperação e prevenção na lavagem de capitais. As penas também para o descumprimento são severas e, caso preciso, vamos acompanhar sua aplicação para que haja maior disciplina por parte da rede bancaria."
Mariângela Gallucci - O Estado de S. Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário