quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Embaixada no Vaticano cobrou ação de Brasília


Correspondências expõem as relações tensas entre o Brasil e a Santa Sé

ALANA RIZZO - O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Telegramas despachados pela Embaixada do Brasil no Vaticano indicam tensão nas relações da Igreja com a presidente Dilma Rousseff, que culminou no silêncio do governo brasileiro diante da renúncia do papa.
Os despachos mostram sinais de desgaste e alertas da diplomacia brasileira que, em uma das ocasiões registradas, foi procurada por um padre que exigiu a presença de representantes brasileiros no consistório que concedeu a d. João Braz de Aviz o título de cardeal.
"Em almoço na residência, na segunda-feira desta semana, o padre Montanari foi bastante incisivo ao reiterar que eu (embaixador) insistisse na importância de uma presença governamental brasileira expressiva, registrando que uma repercussão circunscrita apenas a esta embaixada não teria boa repercussão."
O telegrama de três páginas, de 8 de fevereiro de 2012, dez dias antes do consistório, foi encampado pela embaixada, que até aquele momento não tinha recebido notificação do Ministério das Relações Exteriores de quem compareceria à reunião.
"Estou seguro de que os demais países agraciados com purpurados enviarão, para o próximo consistório, delegações de nível e que correspondam sobretudo ao peso específico das respectivas populações católicas. Por outro lado, registro mais uma vez que o Brasil tem tradicionalmente enviado delegações importantes para os últimos consistórios", destacou a embaixada. Depois do alerta, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, acabou designado para a missão.
Em outro telegrama, a embaixada brasileira no Vaticano faz referência a críticas de cardeais ao Brasil, que teriam manifestado preocupação com o alegado sincretismo brasileiro e a mistura de crenças religiosas.
A embaixada cobra constantemente manifestações do governo brasileiro sobre assuntos ligados à Santa Sé e até homenagens ao papa, como a realização de um concerto para homenageá-lo. "É sempre grande a repercussão desses eventos, que movimentam a cidade de Roma e atraem a atenção da imprensa católica e laica. E daria uma exposição nada desprezível ao Brasil."
Outro tema recorrente nos telegramas da Embaixada do Brasil no Vaticano é a Jornada Mundial da Juventude, que está marcada para ocorrer neste ano, no Rio de Janeiro. O evento deve reunir cerca de 2 milhões de jovens católicos e contar com a presença do novo papa.
Em um dos telegramas, a embaixada cobra mais envolvimento do governo nos preparativos da jornada. "Tendo em vista que o papa participará pessoalmente, parece-me recomendável maior envolvimento do Itamaraty na organização do evento e, portanto, designação de representante para acompanhar os trabalhos dessa rodada de entendimentos em Roma."
Perfil. Os telegramas revelam impressões da diplomacia brasileira sobre o papa Bento XVI, que deixa hoje o cargo. Logo após sua eleição, um telegrama o definiu como um papa forte, apesar da idade avançada.
Também listou os desafios de seu papado. O telegrama 165/2005 informa que o papa Bento XVI enfrentaria implicações da moral sexual na sociedade católica, em particular no que diz respeito à obrigatoriedade de celibato para sacerdotes e religiosos de ambos os sexos.
"O conservadorismo da Igreja no tratamento dessas questões tem levado à percepção de um crescente descompasso entre essa instituição e a sociedade em cujo seio ela é chamada a atuar e, consequentemente, de grande desgaste para o catolicismo no que se refere tanto ao afastamento de fiéis quanto ao decréscimo de vocações sacerdotais", diz o despacho, que registra que "hoje proliferam nos seminários e conventos as práticas homossexuais, que a Igreja qualifica como pecado, e o descrédito do catolicismo em países onde são notórios os escândalos sexuais".
Choque. Dilma entrou em confronto com a Igreja antes mesmo de assumir a presidência da República. Durante a campanha, foi questionada por setores conservadores da Igreja por suas posições relacionadas ao aborto, ao casamento homossexual e até mesmo por sua fé.
Já como presidente, foi criticada pela escolha da socióloga Eleonora Menicucci para a Secretaria de Políticas para Mulheres. A ministra defende o aborto como questão de saúde pública.
Sem uma bandeira em comum, o governo brasileiro acabou se afastando da Igreja. Durante o governo Lula, além do ministro Gilberto Carvalho, cabia também ao ex-ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, a articulação com setores da Igreja, especialmente em programas de combate à fome e à miséria.
Fonte: Estadão

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